Vamos falar sobre o bebê
Resumo
Em pleno século XXI ainda é comum ouvirmos questionamentos acerca da efetividade do tratamento psicanalítico de crianças – e quando se trata de bebês, esses questionamentos se fazem ainda mais contundentes. Nesse contexto, cabe lembrar que até há bem pouco tempo se pensava que os recém-nascidos eram seres extremamente passivos, sem capacidade de estabelecer relações com o ambiente. Entretanto, o desenvolvimento de pesquisas que têm o bebê como seu objeto de estudo, sejam elas oriundas da teoria psicanalítica, da psicologia do desenvolvimento, dentre outras áreas, enfim, todas são unânimes em apontar o papel ativo e interativo do bebê e seu potencial social inato observado desde suas primeiras interações com os pais. Tais estudos revolucionaram o olhar que se tinha acerca do bebê, demonstrando inclusive que ele experiencia sofrimento psíquico, além de físico. Com isso se abriu espaço para o surgimento de uma nova área de pesquisa e intervenção. Estamos diante do que se intitula a clínica pais-bebê, que tem como seu foco de trabalho o período que compreende a gravidez, o parto e os três primeiros anos de vida do bebê.
Seguindo o desenvolvimento deste interesse pela clínica dos primórdios da vida psíquica, foi criada no Brasil, em 2003, a Associação Brasileira de Estudos sobre o Bebê. A ABEBÊ surge assim a partir do desejo dos profissionais que trabalhavam em torno do bebê em sistematizar diversas ações relaciona das a pesquisa, ensino, formação profissional e assistência voltados ao bebê, considerando também o seu ambiente, seus pais e seus cuidadores.
Dentre os diversos objetivos da ABEBÊ, destaco especialmente a organização dos “Encontros da ABEBÊ”. Esses Encontros priorizavam o debate de temas relevantes e atuais, de interesse aos profissionais que atuam nos cuidados à primeira infância. Se reuniam especialistas brasileiros e de outros países, o que possibilitava rica troca de experiências expressas na pluralidade e na diversidade das reflexões teóricas e nas propostas de modos de intervenção apresentados, tanto na esfera da clínica, quanto na da prevenção. No que concerne aos profissionais brasileiros, tratava-se de um espaço privilegiado – senão o único existente – onde colegas de todas as regiões do Brasil podiam apresentar e debater suas propostas desenvolvidas sobre o bebê. Este fato, por si só, já justificava a relevância destes Encontros. A riqueza e a expressividade dos trabalhos apresentados eram cativantes, pois produziam um sentimento de esperança, demonstrando que é possível a construção de interessantes projetos interdisciplinares no nosso País para cuidar do bebê, de sua família e de seus cuidadores.
Ao final de cada Encontro um livro era produzido reunindo os trabalhos apresentados no evento em questão. Desta forma, o livro que é objeto da presente resenha: Quem é o bebê hoje: a construção do humano na contemporaneidade, organizado por Isabel Kahn Marin, Maria Teresa Venceslau de Carvalho e Regina Orth de Aragão, foi construído a partir da apresentação dos trabalhos do último Encontro da ABEBÊ.
Quando fui convidada para escrever esta resenha, me senti honrada e ao mesmo tempo vivenciei uma certa nostalgia, pois a ABEBÊ, associação da qual eu também fazia parte, infelizmente foi dissolvida no final de 2020. Desta forma, a publicação deste livro se apresenta ainda mais relevante, pois se refere ao registro da excelência dos trabalhos apresentados no seu último Encontro.
O título do livro é convidativo: Quem é o bebê hoje. Mesmo tendo sido o livro produzido a partir de pesquisas e estudos realizados antes da pandemia do COVID-19, a qual provocou mudanças radicais no mundo e nas subjetividades – a ponto de que ainda não temos condições de inferir por serem muito recentes – inclusive, alguns dos autores durante a escrita dos seus textos fizeram menção à pandemia as organizadoras do livro levaram em conta este fato ao propor os eixos com os quais o presente livro foi estruturado, tendo como fio condutor refletir sobre a construção do humano na contemporaneidade. A meu ver, esta proposta foi bem-sucedida.
Referências
MARIN, I. K.; CARVALHO, M. T. V. de; ARAGÃO, R. O. de (Org.). Quem é o bebê hoje: a construção do humano na contemporaneidade. São Paulo: Blucher, 2022. 320 p.
Copyright (c) 2023 Cadernos de Psicanálise | CPRJ
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.