Melanie Klein
Edson Soares Lannes
Melanie Klein, nascida Reizes, foi filha caçula de família culta. Moriz Reizes, seu pai, que era médico, falava dez idiomas. Libussa Deutsch, sua mãe, era filha e neta de rabinos. Casaram-se em 1875 e tiveram 3 filhos antes de Melanie, que nasceu no dia 30 de março de 1882, já em Viena. A morte visitou sua história pela primeira vez quando tinha 4 anos. Perdeu Sidonie, a irmã que a iniciava na leitura e na aritmética. Aos 20 anos, logo depois de perder o pai, perdeu Emanuel, o irmão, amigo e incentivador. Três meses depois, aos 21, se casa com Arthur Klein, amigo de Emanuel. Por causa do noivado, tinha já abandonado a idéia de estudar medicina. Frequentou cursos de história e arte na Universidade de Viena. Teve 3 filhos: Melitta, Hans e Erich. Meses depois do nascimento do caçula, perdeu a mãe, agravando um estado depressivo que apresentava há uns 4 anos. Estamos em 1914. Melanie, morando em Budapeste, procurou Ferenczi para análise, entrando em contato com os textos de Freud através da leitura de “A Interpretação dos Sonhos”. Em 1918, já dominada pela “peste”, esteve presente em seu primeiro congresso ( o V Congresso Internacional de Psicanálise, sob a presidência de Ferenczi) , em que ouviu Freud apresentando o trabalho intitulado “Linhas de progresso na teoria psicanalítica”. Esteve presente em todos os congressos, à exceção do XII, em Wiesbaden, em 1932.Seu talento para compreender as crianças foi percebido e estimulado por Ferenczi. Em julho de 1919 fez sua primeira apresentação na Sociedade Húngara de Psicanálise e foi aceita como membro. Foi um trabalho feito, sem supervisão, com seu filho Erich, de 5 anos. Ferenczi já a tinha indicado para assistente de Anton Von Freund na tarefa de organizar o ensino de psicanálise na “Sociedade de Investigação da Infância”.
Em 1920 revê Freud, no VI Congresso em Haia, onde conheceu Karl Abraham, que a convidou para trabalhar em Berlim. Em 1922, no VII Congresso em Berlim, tentou expor a Freud suas idéias, mas ele lhe pareceu desinteressado. Em 1923, se tornou membro pleno da Sociedade Psicanalítica de Berlim. Em 1924 iniciou sua análise com Abraham. Sempre produtiva, apresentou nesse ano três trabalhos, entre os quais “A Técnica da análise com crianças”, no VIII Congresso em Salzburg, quando Ernest Jones a ouviu com muito interesse. Em 1925 ele a convidou para dar conferências em Londres. No fim do ano, Abraham, adoentado, veio a ser seu novo contato com a morte. Deixara para ela, no entanto, seu apoio estimulante. Chegou a dizer que “o futuro da psicanálise repousa na play-analysis”, de Klein.
Em 1926, já divorciada, viajou para a Inglaterra, onde alguns de seus trabalhos, traduzidos por Alix e James Strachey, eram objeto de discussão interessada. Em 1927, Jones organizou um simpósio sobre análise infantil em que as principais divergências entre Klein e Anna Freud foram discutidas. Este encontro foi fundamental para que se estendesse o campo da psicanálise à s crianças. Em outubro foi admitida como membro pleno da Sociedade Britânica de Psicanálise. Em 1932 publicou seu primeiro livro “A Psicanálise de Crianças” , talvez a obra mais importante publicada por um membro da Sociedade Britânica até então, em que as divergências com Anna Freud foram tornadas totalmente públicas.
O ano de 1933 lhe trouxe a morte de Ferenczi, seu primeiro analista e grande incentivador, naquele momento um pouco distante porque ele se aproximara de Anna Freud. 1934, porém, lhe foi mais pesado ainda. Hans, o filho que não veio para Londres, morreu em acidente nas montanhas Tatras. Essa perda foi fonte de pesar para o resto de sua vida. à época, Melanie era alvo de ataques constantes de Melitta e de Glover, analista de sua filha. Não esmoreceu em sua produtividade, no entanto. Apresentou (1934-1935) um texto revolucionário, certamente permeado pela dor da perda, intitulado “ Contribuições à psicogênese dos estados maníaco-depressivos”, complementado, uns poucos anos mais tarde, por “Luto e sua relação com estados maníaco-depressivos”. Neles está o esboço do sistema Kleiniano, com o conceito de posição depressiva.
Certa vez, escrevendo a Winnicott, a partir da idéia de estar progredindo e fazendo melhor trabalho consigo mesma, lhe disse: “estarei em posição melhor para escrever aqueles livros que é meu dever e talvez privilégio também escrever o livro sobre técnica e meus textos reunidos com notas e um prefácio explanatório no qual eu terei muita coisa a dizer”.
Em 1937, com Joan Riviere, publicou “Amor, ódio e separação”. No ano seguinte, com a chegada de Freud, de Anna e da segunda geração dos analistas vienenses a Londres, as divergências se intensificaram e o caminho para as discussões das controvérsias foi se delineando, certamente para o bem do movimento psicanalítico. Elas se deram no período de 1942 a 1944, em 11 reuniões em que as idéias kleinianas foram apresentadas por 3 mulheres: Susan Isaacs, Paula Heimann e a própria Melanie. Elas defenderam o ponto de vista de que seus achados eram um desenvolvimento natural do pensamento freudiano, principalmente do último Freud. As discussões evitaram a cisão da sociedade, que passou a ter seminários clínicos separados, annafreudianos e kleinianos. A teoria kleiniana é estudada por todos, a partir do 3º ano da formação.
Em 1948 foi publicado o livro “Contribuições à Psicanálise”, que reúne trabalhos de Klein de 1921 a 1945, entre os quais estão os que se referem à posição depressiva, já mencionados. Em 1952, coincidindo com os seus 70 anos, vem a publicação de “Os progressos da psicanálise”, que inclui os textos apresentados nas controvérsias revisados e dois outros, da própria Klein, essenciais para a compreensão de seu pensamento: “Algumas conclusões teóricas sobre a vida emocional do bebê” e “Notas sobre alguns mecanismos esquizóides”, em que define as constelações de ansiedades, defesas e relações objetais, que denomina de “posição esquizo-paranóide” e “posição depressiva”.
O International Journal of Psychoanalysis editou um número especial em homenagem aos seus 70 anos, que foi publicado, com acréscimos, como livro, intitulado “Novas tendências na Psicanálise”, em 1955.
Além dos textos “O desenvolvimento do funcionamento mental”, apresentado no Congresso de Paris, em 1957 e “O sentimento de solidão”, que apresentou no de Copenhague, em 1959, Melanie Klein, que veio a falecer a 22 de setembro de 1960, aos 78 anos, ainda escreveu dois livros: “Inveja e gratidão” , em 1957 e “Narrativa de uma análise infantil”, terminado em 1960 e publicado postumamente.
Melanie Klein foi sempre lúcida, serena, feminina, interessada na mocidade e calmamente orgulhosa de sua obra. Foi rigorosa como supervisora em honra da verdade da psicanálise em que cria. Apesar de combatida e combativa, era alegre, com risada explosiva e contagiante, mesmo em encontros científicos. Permaneceu uma analista freudiana, consciente do que acrescentou ao movimento psicanalítico. Teve equipamento de mente e de coração para ampliar o campo da psicanálise.
Edson Soares Lannes
Dados do autor:
Edson Soares Lannes – Psicanalista
Membro Fundador do Círculo
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